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Especial: “Num 208 GTi até ao Caramulo”

Especial: “Num 208 GTi até ao Caramulo”
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“Rampa acima, rampa abaixo”

6 da manhã, toca o despertador, acordo. Não há hipótese de tocar no snooze. Temos uma viagem a fazer e o GTi espera pacientemente que o vá acordar. Já vou GTi, está quase!

Com sono, pego nas malas, na chave e saio de casa. Chego à rua e lá está ele, com o orvalho matinal aiinda por cima, com um sol ainda envergonhado a aparecer no céu. Meto as bagagens na mala, entro e ligo o motor. O som abafado e rouco do escape é o único que se ouve numa rua onde tudo dorme. Notei que o sono já tinha passado.

Começou assim a aventura de três dias rumo a uns dos maiores (e melhores) eventos automobilísticos realizados em Portugal, o Caramulo Motorfestival. Como o nome deixa adivinhar, é na normalmente pacata vila do concelho de Tondela, que durante 3 dias do ano (sem contarmos com a Rampa do Caramulo, em Maio), o sossego e a beleza da paisagem montanhosa beirã dão lugar às octanas e sinfonias de motores multicilindricos.

A expectativa de um fim-de-semana em grande é elevada, mas ainda temos 400km pela frente…

O tempo andava a fazer caretas, como que um presságio para o que estava para vir nos próximos dias. Ainda que o nevoeiro se tenha dissipado rapidamente, as nuvens ameaçavam este primeiro dia. Ideal portanto, para ligar o cruise-control e desfrutar do sistema de som JBL.

Parámos pela primeira vez em Coimbra. Não para abastecer oGTi, mas sim o condutor. Isto porque a fome apertava, assim como o desejo de voltar, ao fim de alguns anos já passados, a dar um passeio pela Cidade do Conhecimento.

Inadvertidamente, o 208 GTi mostrou aqui a sua polivalência. Enquanto explorava a parte histórica da cidade, junto da Universidade e da sua inseparável Sé Velha, o caminho tornou-se estreito, muito estreito. “Oh my God, oh my God!”, exclamavam alguns turistas aquando da minha passagem, enquanto eu só dava graças ao Divino, por ter escolhido um desportivo, com dotes de citadino. Só assim me consegui safar sem repercussões desta alhada… Quanto aos turistas, por esta hora já devem estar no conforto da sua casa, acontar aos familiares e amigos da vez em que viram um maluco a passar de automóvel, em ruas talhadas para meios de locomoção mais primitivos… Talvez daqueles movidos a palha…

Depois desta paragem turística repleta de emoção, é hora de continuar a seguir caminho, agora com menos peripécias. Já só faltam sensivelmente 100kms até chegar ao Caramulo. A emoção começa novamente a subir. Segui o IP3 até sair para Campo de Besteiros, tomando então ai a maravilhosa estrada que sobe a Serra até ao Caramulo. Foi aqui comecei a ter um saborzinho do que são as estradas do Norte. Subidas com boa visibilidade, tapete de alcatrão novo, curvas com relevé… Da perspectiva de um Alfacinha, caramba entusiastas nortenhos: Vocês nem sabem a sorte que têm!

É difícil de resistir.

Assim que chego ao Caramulo, vejo logo uma das coqueluches da exposição, o BAC Mono de André Villas Boas, um dos convidados da organização. E que máquina esta! Equipada com um motor Cosworth, consegue atingir os 100km/H em menos de 3 segundos! Isto começa bem…

Mas de resto neste primeiro dia, ainda não há muito para ver. Estão a ser feitos os últimos preparativos às máquinas, ao mesmo que tempo que mais algumas acabam de chegar. Aproveito para filmar e explorar a área e ver a muito interessante exposição “Lendas da Competição”, a decorrer no Museu do Caramulo.

Composta por automóveis importantes de várias épocas dodesporto automóvel, a peça principal é o último monolugar de Michael Schumacher. Ouvi um barulho lá fora. Ainda bem que esta exposição é gratuita, pois já estou a sair porta fora em direcção à zona de partida para ver o que se passa. Volto amanhã.

É um Escort MKII que está a fazer o reconhecimento à rampa.Vejo-o a subir, verifico que o acesso ainda não está interdito. Enquanto pensava se arriscava subir a rampa, dei por mim dentro do 208 GTi, no ponto de partida. Afinal de contas, não faria sentido ter pedido um desportivo, vir fazer uma reportagem e não tentar sequer aproveitar esta oportunidade que se presenteou perante mim. A rampa de 2,8km conta com um novíssimo tapete dealcatrão. É rápida e não tem curvas muito fechadas, sendo basicamente um slalom gigante em que os carros com mais potência terão uma clara vantagem, excepção apenas para o gancho perto da recta final. Chego rapidamente ao topo e aproveito para desfrutar da lindíssima paisagem sobre a região.

Chegando ao fim o primeiro dia, eu e o meu pequeno companheiro gaulês dirigimo-nos para o nosso ponto de descanso, que fica a 60kmdo Caramulo, perto da Mealhada. Assim que me faço à estrada, um amigo liga-me, fazendo-me uma sugestão:

Olha vai emdirecção a Águeda! O caminho é engraçado!

Assim fui, e não é que o rapaz tinha razão? Nunca é demais repetir, vocês “pessoal aí de cima”, estão sem sombra de dúvidas muito bem servidos no que toca a estradas que nos transmitem o verdadeiro prazer da condução. São quase 30kms de ganchos, curvas encadeadas e paisagens incríveis. E foi aqui mesmo pensei para comigo que tinha trazido o “cavalo certo para esta batalha”. O chassis do 208 GTi é impressionante, neutro com uma capacidade para curvar de forma incrível sem perdas de tracção, fazendo o conduzir sentir como que se estivesse sentado num carro de corrida, sensação essa ainda mais amplificada pelo pequeno volante.

Seria então legitimo pensar que o 208 GTi é um carro duro e imperdoável nas estradas em pior estado, mas a verdade é que apresenta um conforto muito aceitável e um amortecimento bem equilibrado a qualquer velocidade, algo já não nos deveria surpreender num”hot hatch” francês. A estrada de montanha é mesmo o território de eleição do GTi, estando já escolhido assim o caminho a seguir para o Caramulo,nos dois dias que ainda estão para vir.

O segundo dia começa parecido com o anterior. Com muito sono. Voltei a acordar cedo, porque ainda é temos uma hora de caminho até ao Motorfestival e desta vez tínhamos uma companhia nova: Chuva, muita chuva!

Mas não vai ser ela que vai tirar a emoção. Quando chego ao Caramulo, tudo totalmente diferente. Agora sim, carros por todo o lado, escapes directos e cornetas de admissão ecoam pelas paredes, e um cheirinho no ar que só a quem corre gasolina nas veias, sabe apreciar. Vou para junto da linha de partida, não quero perder o primeiro carro a subir a rampa. Decido ficar mais um pouco e vejo um após outro, aproveitando estes momentos para tirar algumas fotos, porque a chuva embora incomodativa para os demais, torna qualquer plano mais dramático. Mas a certo ponto até para mim já começa a ser demasiada.

Decido então dar um “pulinho” até ao Museu, que está repleto de maquinaria capaz de rivalizar com qualquer colecção intenacional. Ferrari F40, DeTomaso Pantera, Audi Sport Quattro e Lamborghini Miura são algumas das máquinas que voam mais alto pelos sonhos dos entusiastas e fiz questão de saborear todos os segundos. A repetir. O último carro pelo qual passei foi oPeugeot 207 S2000, tripulado em tempos pelo campeão Bruno Magalhães. Como que numa daquelas coincidências, que por mais que queiramos racionalizar, não encontramos maneira de explicar, saio do Museu e dou de caras com ele. Esta é a beleza do Caramulo Motorfestival, tudo o que de melhor o desporto motorizadonacional tem, concentrado numa pequena vila.

Ontem já tinha combinado com o Bruno subir a rampa ao seu lado. Surpresa das surpresas, ele também veio num Peugeot 208 GTi branco. Por pouco não lhe perguntei porque raio me tinha roubado a chave do carro… Já algo farto da chuva, entro no 208, desta vez no lugar do pendura, e ficamos a falar um pouco sobre o modelo, até chegármos ao ponto de partida. Meto o capacete e o Bruno confidencia-me:

– Rodrigo, não conheço bem o percurso, só o subi hoje de manhã…

Algo bastante animador de se ouvir quando está a chover e faz um nevoeiro tal que nem vejo a primeira direita lá em cima! Arrancamos e consigo notar o carro a querer agarrar o alcatrão debaixo do manto de água. As primeiras curvas fazem-se de forma cautelosa, não há razão para arriscar demais, e a subida faz-se sem problemas. O GTi mostra que não teve medo deste desafio, embora com o passar do fim-de-semana, certamente o ritmo irá aumentar.


No topo, o nevoeiro é abundante. Saímos do carro e fomos apreciar o BAC Mono do André Villas Boas.

O F-Type V8 liga o motor e acende as sirenes, anunciando que é hora de voltar a descer. Faço algumas perguntas ao Bruno acerca do campeonato com o 208 R5, um carro que ainda está em fase inicial de desenvolvimento, mas que ao já ter vencido o Rali da Madeira, mostra que terá um grande potencial.

No final, ficámos com pena de o clima não ter estado do nosso lado, com certeza que com um tempo mais favorável, a volta teria sido mais emocionante. Só me resta um aperto de mão e desejar a maior sorte ao Bruno Magalhães no campeonato Europeu de Ralis.

Com a chuva de volta, volto a subir serra pelos caminhos circundantes e vou para as curvas da Rampa ver os concorrentes passar. Pouco depois dou o dia por terminado e volto a fazer a estrada até Águeda.
É o último dia. Desta vez consegui dormir mais um pouco erecuperar mais energia. Chego ao Caramulo e cai, adivinhe-se, uma enorme carga de água.

– Boa! – penso eu – Foi preciso chegar aqui para isto acontecer, andas a gozar comigo São Pedro!

Estaciono o carro no Parque Fechado e estão aqui algumas novidades. Várias marcas estão representadas, através dos seus carinhosos fãs.É o caso do Clube BMW M que nos fez chegar alguns dos mais exclusivos da marca de Munique, tendo no Sábado os roadsters japoneses uma representação em grande através do Club MX-5 Portugal e do Clube S2000Portugal. Itália também marcou presença através da Lancia, com o Clube Delta HF Integrale e Porsche com a cada vez maior gama de modelos.

Mas antes de ir para a rampa, tenho de passar pela Feira deAutomobilia. De repente, voltei a ser criança. Acho que se tivesse uma contabancária recheada, os 285litros de bagageira do GTi voltavam a Sul cheios de miniaturas, ou se fosse muito recheada rebatia os bancos traseiros até todos os litros ficarem completamente preenchidos com muitos carrinhos de várias escalas. É melhor sair daqui antes que me endivide…

Volto para a rampa e encontro alguns conhecidos. Decidimos ir mais para cima, descobrir novas curvas para ver o espectáculo, mas como nãopodemos subir a rampa tenho de ir por fora, pelas serpenteastes estradas circundantes. No GTi, é realmente uma pena… é…

Dou boleia a um casal conhecido que olha e diz:

– Ah é engraçado, mas não sei se comprava!

Com o passar dosquilómetros (e curvas), o conforto de rolamento em conjunto com as capacidades dinâmicas que os passageiros iam sentido, fê-los mudar rapidamente de ideias.Quando sai do carro, dei por eles a discutirem qual a melhor cor e a pedir aos céus para ter um GTi. Até me fez lembrar a música dos Clã, “GTi”,cujo refrão é: “o sonho dos meus amigos é ter um GTi…”

O pior é que não são só os meus amigos. A vontade de ter um 208 GTi próprio já começa a alastrar aqui para o vosso escriba. Algo não muito profissional, e para manter a imparcialidade, vou-me distrair com os carros asubirem a rampa. Mas depois de poucos momentos, passa o Bruno Magalhães a subir que nem uma bala no… 208 GTi. Parece que está destinado afinal…

Monto o tripé e regulo a máquina para disparar os últimos cartuchos, do último dia. Finalmente não chove no Caramulo. Depois de cumpridos os deveres de jornalista, entro em modo de espectador. Fico por lá, sentado emcima de um morro (monte, talude…) e se há coisa que adoro nestas eventos é ouvir os comentários dos restantes espectadores. Tais como, quando vem um Carocha e se ouve a plenos pulmões: “Ólhó Herbie, Herbie!”. Ou então passa o espectacular Ferrari 458 e se houve: “Parece um Ferrari…”.

Estivesse ali um delegado de Maranello e aquele senhor já tinha um processo em tribunal…

Sobe o último carro e é hora de voltar à estrada edespedir-me do Caramulo. De regresso ao átrio principal, largo o casal recém admirador de GTi e sigo caminho para ir buscar as malas e rumar de volta para a capital. No caminho para a Mealhada encontro uma antiga oficina da Peugeot.

É inevitável não parar para imortalizar o momento.

Abastecemos, tanto eu como GTi para aguentar os 400km que faltam, afinal de contas vamos sair no escuro da noite, a estrada está calma, mas existem os limites que são para cumprir. Não quero flashes a iluminar atraseira do GTi durante esta noite…

A viagem passou num instante, estamos quase a chegar e toconos botões para ver o consumo que fiz desde a partida na Sexta-Feira anterior. Não queria acreditar. Para contextualizar, fiz serras, andei em cidade, quase preso entre monumentos centenários, percorri auto-estadas e o consumo ficou em6,3l/100km.

Sim, fiquei chocado, são 200cv cheios de genica, a troco de um consumotão comedido.
Foi o argumento decisivo.

Os meus amigos e eu queremos um GTi!

Texto:Rodrigo Hernandez
Fotos:Rodrigo Hernandez / Sérgio Gonçalves

Rodrigo Hernandez Fundador e Director Editorial, criou o MotorO2 em 2012 devido a uma tremenda vontade de escrever acerca da sua grande paixão: os automóveis! Paixão essa que existe mesmo antes de falar, já que a sua primeira palavra foi a de uma conhecida marca de automóveis. Sim, a sério!