
“Já temos saudades”
Em fevereiro deste ano, a Hyundai anunciou que deixará de comercializar os seus modelos N a combustão, o i20N e o i30N, dois dos mais divertidos automóveis (com mais de dois lugares) à venda no mercado nacional. E nós, mesmo antes da sua “partida”, ficámos com saudades. Então, para minimizar essa “dor”, pedimos à Hyundai para “dançar um último tango” com estes dois desportivos.
As razões da Hyundai
A Hyundai está atenta às alterações do panorama automóvel mundial, como se tem visto pelas suas variadas soluções energéticas. Assim, já tendo na sua gama o desportivo elétrico que mais “hype” criou no último ano (e possivelmente desde sempre), o Ioniq 5 N – que esperamos testar em breve – será por aí que que se seguirá esta metamorfose da família N. Ao trocar os modelos desportivos a combustão por elétricos. Essa gama irá aumentar, já no próximo ano, com a chegada da versão N do Ioniq 6, ainda mais potente. Estima-se que terá 650cv.
Com a marca a prometer que não ficará por aí…
Mas, para além disso, existem as metas de CO2 para cumprir, algo que estes N a combustão não são tão “simpáticos” para a média do construtor. Essa é outra das razões (e talvez a maior) para este “corte” da gama desportiva que conquistou tantos apreciadores que passaram a olhar para a marca com outros olhos.
O que a gama N conquistou
O início dos N foi recebido com uma espécie de admiração, afinal a Hyundai não era conhecida por produzir desportivos, mais ainda numa altura onde o segmento C estava cheio de concorrentes para o i30 N, o “New kid on the block”. Mas, ainda assim, o modelo sul-coreano destacou-se por oferecer um pacote muito coeso e que conseguiu bater-se de igual para igual com muitos dos seus concorrentes mais maduros, das melhores “escolas” francesas e japonesas.
Assim, tal como dito acima, conseguiu cativar novos clientes para a marca, tanto para a gama desportiva, como para o resto da gama de modelos da marca, que passou a contar com uma linha mais desportiva, a N Line, para quem procurava mais o estilo do que a rapidez e eficácia.
A gama N serviu de suporte (e vice-versa) para os modelos que competiam na gravilha, neve e asfalto no campeonato do mundo de Rally (WRC), onde a marca já conquistou 2 campeonatos (2019 e 2020) e 29 vitórias desde 2012 (a história começa em 2000, mas durou pouco tempo, tendo um interregno). Uma evolução que espelha a mesma trajetória que a marca tem vindo a fazer nas estradas do dia-a-dia.
O último tango do i30 N
Para esta última volta, começamos pelo i30, o modelo que deu início a tudo isto. Na sua renovação, o modelo recebeu uma transmissão DCT (dupla embraiagem) que o tornou mais rápido, sem perder a emoção que o caracteriza.
Como ingredientes, este modelo conta com um motor 2.0 T-GDI com 280cv e um binário de 392Nm, disponível desde às 2100rpm, mantendo-se constante até às 4700rpm. O seu peso, que nunca foi propriamente pluma, sente-se agora mais leve devido aos modelos elétricos que povoam o mercado, conseguindo oferecer emoções fortes como tão bem sabemos e que pudemos agora recordar.
A transmissão DCT de 8 velocidades revela-se uma escolha racional, sem perder a componente emocional, já que conta com elementos como o N-Grin Shift, uma tecnologia oferecida pela Hyundai que permite oferecer todo o potencial deste 2.0 T-GDI durante 20 segundos, apenas com um toque num botão montado no volante, assim como trocas de relações mais “vigorosas” quando queremos.
A transmissão manual saiu do catálogo em Portugal, portanto, se conseguir agarrar uma unidade, deverá ser com esta solução, que é igualmente mais rápida. Por exemplo, a recuperação dos 80 aos 120km/h demora 3,3s, o que é 2,1s mais rápido do que a transmissão manual…
Para além das patilhas montadas no volante, podemos ainda selecionar no seletor, puxando para “meter uma acima” e empurrar para “reduzir uma abaixo”. A forma correta de o fazer.
Mas o melhor mesmo é ir para a estrada. Sentados na bacquets que oferecem um excelente suporte para o condutor e passageiro, assim como aumentam a sensação de desportividade no interior, encontramos uma posição de condução correta. Isso é possível graças às suas amplas regulações.
Mas, por falar em regulações, podemos fazê-las igualmente em outros elementos como é o caso da resposta de motor, som de escape, modo ESP, entre outros. Ou seja, conseguimos “afinar” o Hyundai i30N como bem-queremos, com possibilidade de criar atalhos para a nossa “afinação”.
Todos estes elementos nos remetem para a competição, com o som de escape a evidenciar-se logo desde baixa velocidade. A direção conta igualmente com um peso correto e que transmite um bom feedback ao condutor, enquanto a transmissão DCT é uma grande aliada na condução citadina. Sim, não é por ser um desportivo que este i30 (que é também um pequeno familiar) não tem os seus “deveres” de dia-a-dia.
Mas é em condução mais viva, este Hyundai mostra as suas verdadeiras competências, com uma suspensão que permite igualmente regular a sua dureza e que nos permite ir mais próximo dos limites deste hot-hatch. A travagem impressiona tanto pela sua mordida, como pela sua resistência à fatiga.
“É preciso dois para dançar, portanto venha o i20 N”
O i20N surgiu quatro anos depois do i30 N e atingiu um mercado que procurava por alternativas aos desportivos compactos já conhecidos, mas cada vez mais extintos. Foi uma boa jogada por parte da Hyundai que conseguiu desde logo os focos de atenção para esta “petit bombinette”, como dizem os franceses, que prova que nem sempre o mais potente é o mais divertido.
Sim, é isso mesmo, o Hyundai i20N é mais divertido de explorar que o i30 N, mesmo que não chegue aos seus níveis de performance em pista, por exemplo. A verdade é que numa retorcida estrada de montanha, este é dos automóveis mais gratificantes de explorar. Porquê?
Para começar, o seu motor 1.6 T-GDI (com quatro cilindros) debita 204cv, que graças a um peso de 1265kg (mais leve em 265kg que o i30 N) consegue animar de forma explosiva este Hyundai de segmento B. Depois, existe uma transmissão manual, suficientemente rápida e com bom tato, um travão de mão – vocês sabem bem para quê – e um diferencial autoblocante mecânico, ao qual a marca chama de
N Corner Carving Differential, que nos permite ter sempre um alto nível de tração nas curvas, principalmente na altura da saída, para uma elevada capacidade de tração, o que igualmente nos aumenta a confiança.
Para além disso, a sua suspensão, com um verdadeiro foco na condução desportiva permite o “levantar da roda traseira interior” como tanto gostamos, numa traseira que permite “brincar” na entrada das curvas, jogando com o acelerador para a soltar e apontar diretamente para onde queremos. Sim, a diversão também pode ser prática…
Por falar em prático, este continua a ser um i20 N, ou seja, é suficientemente ágil graças às suas dimensões e continua a ter lugar para sentar até cinco passageiros e uma bagageira alinhada com os seus “colegas certinhos” do segmento. A jogada da Hyundai em oferecer o i20 N a um preço comedido (embora já não seja assim tão comedido) também foi uma aposta ganha, o que nos permite ver vários destes espécimes nas nossas estradas.
Há razões para ter saudades?
O fim de um ciclo causa-nos sempre esta sensação de perda, ou de saudade.
No entanto, mesmo sabendo que as coisas não serão as mesmas dentro da gama da marca sul-coreana, devemos ter esperança no futuro dos desportivos elétricos, a Hyundai provou-nos isso com o Ioniq5 N, mesmo que esse não seja tão acessível como o i20 N ou mesmo o i30 N foram (e ainda são).
Porém, podemos sempre acreditar que a gama N comece a ficar mais acessível. É uma questão de esperança que a Hyundai entenda que mais do que um desportivo com prestações estratosféricas, os desportivos para as massas fazem mais pela imagem de um construtor do que algo que não está ao alcance de muitos.
Essa é o reflexo que se deve perseguir. Só assim são garantidos sentimentos à maior parte dos condutores que, como eu, ficam com saudades quando trancam o carro e estão desejosos para começar a próxima viagem.